Deus é o nosso refúgio e a nossa força; é a nossa ajuda nos momentos de angústia. Por isso, não temos medo, mesmo que a terra se ponha a tremer, mesmo que as montanhas se afundem no mar; mesmo que as águas rujam furiosas e os montes tremam com o seu embate. (Salmo 45)

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

ELEMENTOS DE UMA CRÍTICA FUNDANTE PARA AS TROCAS NO MERCADO GLOBAL

 Setembro


ELEMENTOS DE UMA CRÍTICA FUNDANTE PARA AS TROCAS NO MERCADO GLOBAL

 

Pela primeira vez na história, vislumbramos algo como uma utopia tornada real a respeito da unidade da humanidade. O pós-guerra trouxe o descrédito com a ciência, como ilustram os frankfurtianos, o cenário do possível fim da vida humana na Terra com o apertar de um botão, mas por outro lado, é a primeira vez que se entende a necessidade da busca de soluções de forma global.

A globalização outrora vivida, era assunto de um grupinho de exportadores de especiarias e de artigos de fé. Hoje há organismos internacionais dizendo “precisamos resolver a situação de todos.” Levada a efeito a declaração dos direitos do homem e do cidadão, utopia burguesa, nos vemos diante da ONU como um poder real e totalizante.

O cristianismo, de suas origens revolucionárias, de uma sociedade secreta de catacumbas de pedra, tornou-se apenas mais um braço da ideologia dominante, a mendigar dízimos num terceiro mundo já suficientemente expropriado. O que mantêm de potência enquanto corpus doutrinal é afirmar a empatia e o direito à vida em meio à maquinaria social que prega individualismo e a intolerância acima de tudo. Além, é claro, de sua vocação anti-stablihsment ter concretizado privilégios atuariais só vistos no setor religioso.

As soluções apresentadas para o fim da fome costumam girar em torno da “capacitação” e da “distribuição”. Não se pode negar a ambas sem faltar com a verdade. No entanto, assim como o cristianismo perde sua potência original, seu teor de grupamento de fracos paulino, essas palavras de ordem, “capacitação” e “distribuição” parecem passar ao largo do fator mais importante para que seja encontrada a solução do problema da fome de forma objetiva, prática e sem escusas: a redução do consumo de carne e cerveja. A ONU se assemelha, em seus esforços, ao patrão que levanta as pernas para a faxineira limpar a sala, isto é, não fazendo o esforço ativo mais fundamental, qual seja, reorganizar as práticas comerciais mundiais sob a ótica do fim da fome, mantendo seus privilégios e acepipes. E o cristianismo, outra força-vetor que poderia reorganizar as trocas comerciais mundiais com algumas centenas de assinaturas, tornou-se o cassino do além-mundo. Nas cadeiras de plásticos do galpões aposta-se um dízimo para garantir a vida extraterrena. Não há outro radicalismo que não seja se sentir mais certo que os outros.

Não é o caso de cairmos numa má consciência burguesa. O ativismo individualista não promete nada além de quilos a menos e mais saúde ao praticante. Faltam iniciativas globais a incidirem sobre as trocas das nações. Do contrário, nos veremos ilhados nos privando dos maiores prazeres que alguém pode experimentar. Não entraremos no aspecto metafísico, ascético e da ética kantiana. A idéia é trazer à luz o fato de que hoje, tendo comido 150gramas de carne moída com 400 gramas de arroz no almoço, essa mesma refeição poderia representar três pratos de vegetais. Estima-se em um sexto da população mundial a perecer com a fome. Bastaria ingerir vegetais no jantar e, de modo cabal em escala experimental, o problema da fome estaria resolvido. Enquanto crianças esquálidas não acionam a mudança, os distantes rebanhos, longe de nossos olhos, sofrendo em agonia nos abatedouros não nos mobilizam, vamos marcar um churrasco para nos embebedar. Afinal, é como se não houvesse ninguém precisando de milho em nenhum lugar do mundo, não é mesmo?

                É preciso tornar a produção de alimentos vantajosa. Uma política global de isenções a incidirem sobre os gêneros básicos alimentícios. Por outro lado, a transformação de arroz e milho em álcool deve ser constrangida. Os organismos internacionais só farão sentido pleno do termo se entendermos que a humanidade precisa urgentemente partilhar a sorte. Isso mesmo, a sorte. Aqui chove e tem terra boa. Do outro lado do atlântico, além dos conflitos, não há tanta sorte natural.


quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Pescaremos até quando?

 Três posturas humanas e o crepúsculo dos ídolos. Quer saber? Vou pro pesqueiro.


        Apenas UMA grande empresa estadunidense ostenta o recorde de preparar 300 milhões de filés de peixe beneficiados ao ano. Um bifinho para cada cidadão americano. Sem precisar falar de tantas outras potências e empresas.

        Um único desastre ambiental no Japão, em Fukushima, levou material radioativo a uma área equivalente ao território da China nas águas turbulentas do pacífico. Sem precisar falar de petróleo, gasolina e papel. Papel? Isso mesmo. Papel.

      Três principais fatores podem pôr fim a um dos prazeres mais antigos da espécie humana: a alimentação à base de pescados. Poluição, sobre-exploração e crença. Aí entra o papel.

  O crepúsculo dos ídolos vai se preparando há milênios. É conhecida a história da multiplicação de pães e peixes. Cristãos, judeus, islâmicos, hindus, as grandes tradições do livro, no geral, são permissivas com o comer peixe.  Jesus do futuro talvez reparta um salgadinho de milho. O deus-tubarão dos hindus corre o risco de acabar passando fome. E os muçulmanos e judeus, bom, esses só vão passar aperto quando a pecuária bovina se mostrar cabalmente insustentável, como insistem os ecologistas há pelo menos cinquenta anos. E profeticamente há uns três mil anos.

  Uma das atividades mais harmônicas com a natureza, a pesca, praticada em absolutamente todos os cantos do planeta desde tempos em que não havia escrita, encontra-se num ponto de ruptura importante. Ou nos convertemos cada vez mais à piscicultura sustentável ou talvez nossos bisnetos não saibam absolutamente a delícia de saborear uma manjubinha na praia de Santos. 

É curioso. O ser humano passa a ser dotado de uma desvantagem adaptativa com o incremento da moeda: implementar escassez. Veja: falta água numa enchente. Isso é emblemático. A ganância e o imediatismo nos fazem desperdiçar e ignorar coisas elementares. O aquecimento global e suas origens até hoje são contestados – e com razão, já que deve existir o contraditório até na ciência, com certos limites. Mas não se pode negar que o aumento populacional e as novas tecnologias põem em risco a água em todo mundo moderno.        Se a humanidade, esta entidade de razão, criada, artificial, tem o poder de degelar os andes e o himalaia, não se pode ter certeza, bem como sobre o real papel da camada de Ozônio. Isso num horizonte cético em relação às conquistas científicas. Mas é lição de terceira série que água e óleo não se misturam. É empírico que um copo de gasolina pode inutilizar todo um lago de peixes. Uma coisa é a postura cética, outra é o tão em voga “negacionismo”, antigamente chamado apenas de obtusidade.

    A saída para a escassez de pescados é a piscicultura, de quebra, no pacote, o ser humano leva o represamento de água potável. Menos fluxo para os baixios e pântanos, evitando transtornos como o que vimos no sul. Menos gente passando sede. Menos gado morrendo de sede. Menos planta secando no inverno. Agora é encontrar tecnologias sustentáveis para a piscicultura, como rações orgânicas, motores de oxigenação econômicos, tratamentos sem química pesada, fármacos biodegradáveis, mão-de-obra tratada que nem gente, pois como sabemos, ecologia é ambiental mas também social e mental. Esse papo já tá me estressando. Quer saber? Vou pro pesqueiro.


Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho, professor de filosofia e artes e sobrevivente urbano. Tenta entender a eletricidade e faz uns rabiscos.

Recursos finitos

Até quando teremos calcário e ferro?


          A melhor definição de paradigma quem dá é Thomas Kuhn. Um conjunto de práticas, crenças, doutrinas que se misturam à ciência e a orientam. Qualquer brasileiro que se preze quer ter uma casa de laje. As universidades, cursos técnicos em edificações, todos giram em torno do paradigma “cimentício-ferroso”. A questão é: precisa ser assim?

         Até quando teremos ferro e calcário para as obras que só podem ser executadas assim, como barragens, represas, viadutos, alicerces e fundações de todo tipo? O século XXI tem duas peculiaridades: descobrimos que podemos acabar com o mundo num simples pressionar de botoeira. E nos demos conta, finalmente, que os recursos são finitos. Para glória de Lavoisier, que dizia que na natureza nada se cria, nada se perde e tudo apenas se transforma.

Arquitetos renomados, como o holandês van Lengen, afirmam que, no ambiente semi-árido, por exemplo, uma casa de pau-a-pique pode ser a melhor solução habitacional. É fresquinha, pode ser feita por uma família em menos de um mês, e o melhor: os recursos são locais e renováveis. Mas uma campanha presidencial não se financia com catadores de toco. É preciso montanhas de cimento e ferro. Estaria tudo bem se esses recursos não fossem finitos.

As colônias alemãs e italianas do sul do país, bem como os ribeirinhos amazônicos, têm sua solução habitacional na madeira há séculos. Vivem bem e confortavelmente. Esses serão a última fronteira de defesa diante do paradigma cimentício-ferroso, que, pelo menos no Brasil, é dominante em todas as grandes cidades e avança a passos largos rumo ao nordeste, fazendo questão de ver como miséria uma das maiores habilidades do ser humanos: adaptar-se.

Economistas, geólogos, arquitetos e engenheiros de todo mundo estão a par da cotação dos estoques de ferro e calcário. Todo mundo sabe o preço de um saco de cimento. Bolsas de valores do mundo todo põem na ordem do dia o valor do ferro-gusa. Novamente temos que falar de paradigma e propor uma mudança. No preço destes materiais não se leva em conta o futuro da humanidade. E sim, apenas, a rentabilidade, a oferta e procura. O paradigma econômico vigente nos põe na cegueira do imediatismo. E todo mundo acha absurdo que seja diferente, mesmo sem ser dono de jazida nenhuma. Enquanto casinhas simples continuarem demandando toneladas de ferro, granito e cimento, o futuro infra-estrutural da humanidade estará em risco.

É a semana do meio-ambiente. Mas a mídia está mais empenhada em nos ensinar a plantar dedo-de-moça na janela da cozinha. Ou reutilizar o potinho do danone. E o debate sério e rigoroso?

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Por uma filosofia do futuro

 

Por UMA FILOSOFIA DO FUTURO

Há duzentos anos surgia a locomotiva a vapor e também o motor à combustão. Há cerca de cem anos, a energia elétrica. A engenharia de materiais é uma ciência nova.

A velocidade que estes inventos imprimiram ao mundo, ao consumo de recursos fósseis, não está bem documentada. Mas é certo que, neste ritmo, não poderá se prolongar por muito tempo.

A questão da filosofia do futuro, então, deve ser: até quando poderemos praticar nosso estilo de vida?

Se os apóstolos de Cristo, há dois mil anos, tinham visões sobre o fim do mundo, esta realidade parece mais atual que nunca, na minha opinião, não tanto pela ameaça da hecatombe nuclear mas muito mais pela destruição do meio essencial à vida. Suponho que a hecatombe nuclear não ocorrerá pois os dirigentes do mundo têm uma tendência narcísica-dominadora, não depressivo-suicida. E todos sabem que a primeira botoeria pressionada implicará na última. Não há dúvida sobre isso.

A engenharia de materiais abre a perspectiva animadora de uma nova era na civilzação. Quando inventaram o ferro, o bronze, não havia ainda uma comunidade global empenhada em pensar novas eras. Agora, há esse esforço. O hidrogênio verde, apontado como panacéia, pode não chegar aos pés de novas descobertas vindouras. Até porque usar água para se mexer não parece grande coisa. Se é para levar isso a efeito, voltemos aos cavalos. Parece mais plausível.

Os cem anos da eletricidade mudaram completamente a configuração global . É uma invenção análoga à descoberta do fogo, soterrada nos milênios passados e que permite ao homem aquecer alimentos, afugentar inimigos, habitar locais frios, se locomover à noite, entre outras façanhas. Quer dizer que podemos, numa perspectiva otimista, estar na pré-história de uma nova era, em que um novo material nos levará às férias em Miami e moverá o ônibus-nosso-de-cada-dia ao local de trabalho. A energia eólica e solar já representam avanços consideráveis. O problema é que o paradigma da queima interna colocou a humanidade toda a correr atrás do rabo. O processo parece irreversível. Mesmo com falta de água, pensa-se em trocar água por locomoção. Isso porque as civilizações-mãe do mundo atual não eram nômades. Se Roma e Egito fossem como os ciganos, o mundo já teria acabado, provavelmente. O modelo da queima interna não nos permite pensar em planejar grande linhas de metrô movidas a energia potencial das hidrelétricas. É preciso vender carros. Michael Moore mostrou  como, sem uma montadora, muitas cidades se tornam cidades-fantasma.

Sendo menos otimistas, podemos pensar que a o auge da era elétrica-combustiva já foi atingido. E nesse sentido, não haverá tempo hábil para inventar o novo petróleo sustentável. Então, não restaria dúvida que o prazo para a virada de costumes já estaris ultrapassado. Os pobres, que dizem respeito a mais da metade da população, não têm grande papel no consumo, embora sejam importantes na perspectiva das más práticas ambientais. O chiqueiro de seu Hermanoteu, à beira do manancial, pode representar mais risco ao futuro que as 20 embalagens de hambúrgueres  anuais da garota de classe média. Esse tipo de cálculo vem se furtando aos doutos homens que regem nosso futuro. De qualquer modo, é bem estabelecido o fato de que é o american way of life é que oferece risco ao futuro da humanidade. O parisiense bebedor de vinho e ciclista talvez entre na conta pelas usinas nucleares, lado a lado com o italiano, que sobrevive graças a combustíves fósseis apenas. Voltando à pergunta da filosofia do futuro: até quando poderemos cruzar os braços, a questão se volta aos países emergentes: China e índia, principalmente, com 1/3 da população mundial. Querer que DELHI se torne Nova Iorque pode ser o futuro inexorável. E o decreto do fim do mundo, nos moldes energéticos atuais. Pequim movida como Texas e teremos uma sobrevida menor que se o modelo inspirador fosse a agrÍcola e artesanal Vietnã.

                Então a questão se desdobra em duas: quem porá fim à megalomania do american way of life, oferecendo chance de seguridade social aos habitantes dessas regiões de vanguarda do desastre, e por outro lado, para onde deverá se dirigir a grande massa altamente produtiva e numerosa do mundo emergente. Eu não vejo problema num hambúrguer embrulhado em folha de bananeira, um copo de bambu. Trabalhar à distância não me parece mal. E tenho certeza que muita gente também está comigo.

Talvez não tenhamos ainda uma filosofia do futuro. Mas queremos um futuro para a filosofia.

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