Setembro
ELEMENTOS DE UMA CRÍTICA FUNDANTE PARA AS TROCAS NO MERCADO GLOBAL
Pela primeira vez na história, vislumbramos algo como uma utopia tornada real a respeito da unidade da humanidade. O pós-guerra trouxe o descrédito com a ciência, como ilustram os frankfurtianos, o cenário do possível fim da vida humana na Terra com o apertar de um botão, mas por outro lado, é a primeira vez que se entende a necessidade da busca de soluções de forma global.
A globalização outrora vivida, era assunto de um grupinho de exportadores de especiarias e de artigos de fé. Hoje há organismos internacionais dizendo “precisamos resolver a situação de todos.” Levada a efeito a declaração dos direitos do homem e do cidadão, utopia burguesa, nos vemos diante da ONU como um poder real e totalizante.
O cristianismo, de suas origens revolucionárias, de uma sociedade secreta de catacumbas de pedra, tornou-se apenas mais um braço da ideologia dominante, a mendigar dízimos num terceiro mundo já suficientemente expropriado. O que mantêm de potência enquanto corpus doutrinal é afirmar a empatia e o direito à vida em meio à maquinaria social que prega individualismo e a intolerância acima de tudo. Além, é claro, de sua vocação anti-stablihsment ter concretizado privilégios atuariais só vistos no setor religioso.
As soluções apresentadas para o fim da fome costumam girar em torno da “capacitação” e da “distribuição”. Não se pode negar a ambas sem faltar com a verdade. No entanto, assim como o cristianismo perde sua potência original, seu teor de grupamento de fracos paulino, essas palavras de ordem, “capacitação” e “distribuição” parecem passar ao largo do fator mais importante para que seja encontrada a solução do problema da fome de forma objetiva, prática e sem escusas: a redução do consumo de carne e cerveja. A ONU se assemelha, em seus esforços, ao patrão que levanta as pernas para a faxineira limpar a sala, isto é, não fazendo o esforço ativo mais fundamental, qual seja, reorganizar as práticas comerciais mundiais sob a ótica do fim da fome, mantendo seus privilégios e acepipes. E o cristianismo, outra força-vetor que poderia reorganizar as trocas comerciais mundiais com algumas centenas de assinaturas, tornou-se o cassino do além-mundo. Nas cadeiras de plásticos do galpões aposta-se um dízimo para garantir a vida extraterrena. Não há outro radicalismo que não seja se sentir mais certo que os outros.
Não é o caso de cairmos numa má consciência burguesa. O ativismo individualista não promete nada além de quilos a menos e mais saúde ao praticante. Faltam iniciativas globais a incidirem sobre as trocas das nações. Do contrário, nos veremos ilhados nos privando dos maiores prazeres que alguém pode experimentar. Não entraremos no aspecto metafísico, ascético e da ética kantiana. A idéia é trazer à luz o fato de que hoje, tendo comido 150gramas de carne moída com 400 gramas de arroz no almoço, essa mesma refeição poderia representar três pratos de vegetais. Estima-se em um sexto da população mundial a perecer com a fome. Bastaria ingerir vegetais no jantar e, de modo cabal em escala experimental, o problema da fome estaria resolvido. Enquanto crianças esquálidas não acionam a mudança, os distantes rebanhos, longe de nossos olhos, sofrendo em agonia nos abatedouros não nos mobilizam, vamos marcar um churrasco para nos embebedar. Afinal, é como se não houvesse ninguém precisando de milho em nenhum lugar do mundo, não é mesmo?
É preciso tornar a produção de alimentos vantajosa. Uma política global de isenções a incidirem sobre os gêneros básicos alimentícios. Por outro lado, a transformação de arroz e milho em álcool deve ser constrangida. Os organismos internacionais só farão sentido pleno do termo se entendermos que a humanidade precisa urgentemente partilhar a sorte. Isso mesmo, a sorte. Aqui chove e tem terra boa. Do outro lado do atlântico, além dos conflitos, não há tanta sorte natural.