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Recursos finitos

Até quando teremos calcário e ferro?


          A melhor definição de paradigma quem dá é Thomas Kuhn. Um conjunto de práticas, crenças, doutrinas que se misturam à ciência e a orientam. Qualquer brasileiro que se preze quer ter uma casa de laje. As universidades, cursos técnicos em edificações, todos giram em torno do paradigma “cimentício-ferroso”. A questão é: precisa ser assim?

         Até quando teremos ferro e calcário para as obras que só podem ser executadas assim, como barragens, represas, viadutos, alicerces e fundações de todo tipo? O século XXI tem duas peculiaridades: descobrimos que podemos acabar com o mundo num simples pressionar de botoeira. E nos demos conta, finalmente, que os recursos são finitos. Para glória de Lavoisier, que dizia que na natureza nada se cria, nada se perde e tudo apenas se transforma.

Arquitetos renomados, como o holandês van Lengen, afirmam que, no ambiente semi-árido, por exemplo, uma casa de pau-a-pique pode ser a melhor solução habitacional. É fresquinha, pode ser feita por uma família em menos de um mês, e o melhor: os recursos são locais e renováveis. Mas uma campanha presidencial não se financia com catadores de toco. É preciso montanhas de cimento e ferro. Estaria tudo bem se esses recursos não fossem finitos.

As colônias alemãs e italianas do sul do país, bem como os ribeirinhos amazônicos, têm sua solução habitacional na madeira há séculos. Vivem bem e confortavelmente. Esses serão a última fronteira de defesa diante do paradigma cimentício-ferroso, que, pelo menos no Brasil, é dominante em todas as grandes cidades e avança a passos largos rumo ao nordeste, fazendo questão de ver como miséria uma das maiores habilidades do ser humanos: adaptar-se.

Economistas, geólogos, arquitetos e engenheiros de todo mundo estão a par da cotação dos estoques de ferro e calcário. Todo mundo sabe o preço de um saco de cimento. Bolsas de valores do mundo todo põem na ordem do dia o valor do ferro-gusa. Novamente temos que falar de paradigma e propor uma mudança. No preço destes materiais não se leva em conta o futuro da humanidade. E sim, apenas, a rentabilidade, a oferta e procura. O paradigma econômico vigente nos põe na cegueira do imediatismo. E todo mundo acha absurdo que seja diferente, mesmo sem ser dono de jazida nenhuma. Enquanto casinhas simples continuarem demandando toneladas de ferro, granito e cimento, o futuro infra-estrutural da humanidade estará em risco.

É a semana do meio-ambiente. Mas a mídia está mais empenhada em nos ensinar a plantar dedo-de-moça na janela da cozinha. Ou reutilizar o potinho do danone. E o debate sério e rigoroso?

Comentários

  1. Minha opinião é que o texto levanta um ponto essencial sobre como estamos presos a um modelo ultrapassado de construção civil, que prioriza materiais finitos e ignora a sustentabilidade. A dependência de ferro e calcário reflete não só uma falta de inovação, mas também um apego a paradigmas econômicos que favorecem o lucro a curto prazo em detrimento do futuro coletivo.

    O mais preocupante é que alternativas mais sustentáveis já existem, como as construções de pau-a-pique ou madeira, mas são marginalizadas por questões culturais e políticas.

    Para mim, o texto não é apenas uma denúncia, mas um chamado para mudarmos a mentalidade dominante. Precisamos repensar como construímos e consumimos, trazendo a sustentabilidade para o centro do debate e rejeitando a ideia de que inovação significa necessariamente mais exploração de recursos.

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  2. Gabriel costa jorge 3H
    Realmente podemos ver como o ser humano não se importa com a questão do materiais serem finitos,nosso mundo prefere ir até outro planeta para tentar arranjar materias do que arranjar formas mais sustentáveis de usar o que temos.

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  3. Gabriel Costa Jorge 3H
    Podemos ver como nossa sociedade não liga para a questão dos recursos serem finito, nossa sociedade prefere ficar adiando sempre isso , tentando adotar medidas extravagantes como procurar recursos no espaço do que adotar medidas mais sustentáveis.

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  4. O texto traz uma reflexão pertinente e urgente sobre o paradigma "cimentício-ferroso", expondo a dependência quase absoluta da construção civil brasileira e mundial em relação a recursos finitos, como o ferro e o calcário. Ele também aponta para a necessidade de revisitar práticas tradicionais e sustentáveis, como o uso da madeira, do pau-a-pique e de materiais locais, que já provaram ser viáveis em diversos contextos.

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  5. O texto questiona a dependência do modelo cimentício-ferroso e propõe alternativas sustentáveis, como madeira e pau-a-pique. Critica o imediatismo econômico e a superficialidade do debate ambiental, alertando para a necessidade de repensar a construção civil.

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  6. O texto critica a dependência da construção civil de cimento e ferro, alertando para a escassez desses recursos e a falta de incentivo a alternativas sustentáveis. Também aponta a superficialidade do debate ambiental na mídia e defende a necessidade de mudanças para um futuro mais ecológico.

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  7. A abordagem do texto é extremamente pertinente. A insistência em materiais como cimento e ferro, sem considerar alternativas sustentáveis, revela uma falta de visão a longo prazo. É essencial que a sociedade comece a valorizar técnicas construtivas que respeitam o meio ambiente e utilizam recursos locais e renováveis.

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  8. O texto discorre sobre a necessidade que temos hoje para começar a rever nossos conceitos sobre os materiais e técnicas da construção civil. Se não mudarmos a forma dessa engenharia hoje, os recursos limitados irão findar -se, e não teremos opções de construções modernas a nosso favor e ainda prejudicaremos o ambiente que estamos. O que precisamos na urbanização atual é uma efetiva legislação que defina onde ou não onde uma infraestrutura pode ser construída, implantações de áreas verdes em todos os lugares, construções eficientes que evitem o efeito albedo e o aquecimento global e uma melhor organização dos serviços e estabelecimentos públicos. Sobre os materiais, podemos aderir a um infinito leque de possibilidades de construtivas criativas que se adaptem a qualquer contexto geográfico, político e social. Um exemplo muito bom é o Aeroporto Internacional de Barajas, em Madrid, que utiliza bambu ao invés de metal e concreto para o teto de um de seus terminais. Além de ficar estética, a obra proporciona maior sustentabilidade e incentivação para o uso de materiais diferentes, além dos tradicionais e já ultrapassados. Precisamos diversificar, romper com a estagnação de ficarmos limitados apenas ao comum. Isso não só auxilia na construção civil, mas também na economia geral, natureza e qualidade de vida.

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