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Do esgotamento paradigmático: desacelerar para sobreviver

 Do esgotamento paradigmático: desacelerar para sobreviver 

    O jogo da velha, ao que tudo indica, por meus parcos cálculos, comporta 362.880 combinações possíveis de jogo, com muito, muito menos rendendo sucesso para qualquer lado. Numa analogia, qualquer paradigma comporta um determinado número de possibilidade-de-jogo, muito mais abundantes do que os “encontros bem-sucedidos”.

    Onde quero chegar? Desde a primeira máquina a vapor, que remeteria à antiguidade, até os mais modernos veículos à combustão, alcançou-se uma espécie de “esgotamento paradigmático”. O que quero dizer é que as possibilidade de esgotamento das variantes combinatórias provavelmente já se aproxima de seu fim, exceto pelas possibilidades recombinatórias quando se associa vapor e eletricidade. Mas tratando-se de veículos terrestres a vapor, o máximo que se alcançou em inovação foi o álcool-motor. O carro elétrico já inaugura novo momento. Novo paradigma (num sentido não-kuhniano). Há muitas possibilidades de avanço no tocante a novos combustíveis, novos materiais e muito mais escassas oportunidades no que diz respeito a sistemas de transmissão de movimento, por exemplo. Não conheço muito mecânica mas é fácil supor que um novo reagente químico possa tomar o lugar da gasolina, embora pareça impraticável por razões ecológicas e financeiras. Já a roda, pouco provavelmente será substituída por uma esfera ou por uma esfera armilar. É um jogo de soma 3, 4 no máximo considerando a lagarta dos tanques. Ponto, linha, plano e sólido (que só pode ser circular ou esférico – retornando à forma-ponto). A outra opção seria voar. Mas falamos aqui de transporte terrestre. Os eixos, pouco provavelmente seriam substituídos por elastômeros ou algo assim.

    O vapor-motor talvez jamais encontre novo ciclo igualmente significativo na história humana. Sendo pessimista. Dentro do modelo “vapor” ou “queima”, o carro pouco mudou, desde o primeiro Ford bigode até a mais moderna Maseratti. São ajustes, variações, adaptações. Mas ainda estamos queimando óleo como se não houvesse amanhã. Os elétricos surgem como grande promessa mas todos sabem que seus sistemas de bateria não prometem vida longa ao planeta.

A conclusão é que a salvação da humanidade não virá das tecnologias duras. E sim da administração. 

    Pessoas morando perto de seus empregos. Viagens concedidas somente a comissários do povo. Vôos apenas a dirigentes, CEOs e despedidas terminais (ou uma cota de viagens por pessoa-década, já que uma visita com saúde pode ser mais proveitosa que no leito de morte). Total substituição das termelétricas por outras fontes. Campo agrícola mais próximo dos grandes centros. Emprego de cavalos para trajetos intra-metrópoles. Metrô. Veleiros. Extinção dos cruzeiros. Racionalização do comércio internacional.  Valorização dos recursos nacionais. Reestruturação de redes de comércio. Talvez essas medidas todas combinadas quebrem a cotação do petróleo. Se tudo continuar igual. Mais uma vez entraria a administração impondo uma precificação que levasse em conta, no valor atual do barril, o futuro da humanidade, em sua carência por recursos de queima e em sua necessidade de água limpa. 

    É um papo ufanista, eu sei bem. Garças e cormorões ensopados em óleo não convencem os magnatas da urgência das medidas. Boa parte dos CEOS não acampou na infância, portanto não tiveram que lidar com a falta de lenha. Falar em falta de petróleo é o mesmo que tentar convencer a modelo quarentona a doar R$30 mil para a caridade em vez de recauchutar as rugas e banhas. Papo de louco, sempre. 

   Admito que há uma vocação stalinista nesse argumento. Mas quando Deus encarnado (kantianamente, a ONU) parece imóvel diante da dilapidação da única Terra que temos, por que não recorrer aos expedientes do Diabo?

Lucas Furió percebe que, desde que o homem fixa território, evacuar tornou-se um óbice à ociosidade. Ecologia é trabalhoso, incômodo e desafiador.São usados 320.000.000 litros petróleo por DIA no mundo.

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